segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crítica extra-muros


Boa tarde,

recebi por email o texto que segue abaixo, contribuição do nosso amigo Aydos, de quem copiei o título do post.
Vale a pena ler, apesar de ser uma crítica "meio batida" acho que ainda segue válida, pois são posturas que ainda não mudaram e creio que não vão mudar tão cedo na "gloriosa" arquitetura brasileira.

outros textos do mesmo autor podem ser encontrados em: http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/

o link do post (para quem quiser ler e/ou escrever comentários): http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/arch2009-01-25_2009-01-31.html

Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha

por Marcelo Coelho em 29/01/09


Existe, como se sabe, uma burrice típica dos engenheiros, outra típica dos médicos, outra dos músicos... Mas a burrice dos arquitetos é menos comentada.

Com certeza, um clichê bastante antigo cerca a obra de Niemeyer: o grande arquiteto seria insuperável na criação de edifícios bonitos de se ver, e péssimos para morar.

Mesmo assim, ou talvez até por isso mesmo, Niemeyer tem sido um nome intocável: quem o critica está ligado a idéias antiquadas de conforto, e não merece morar nas obras feitas pelo gênio.

Qualquer um que critique os feitos de um arquiteto brasileiro se põe, assim, abaixo das alturas propostas pelo artista.

O problema é que, quando estamos diante de um quadro moderno, a atitude de “entender” ou “não entender” se esgota em si mesma; será um filisteu, um desinformado, quem “não entende”, ao passo que o privilegiado que “entende” nada sofrerá com isso; no máximo, terá gastado uma fortuna comprando o quadro estranho, a instalação esquisita, o vídeo incompreensível.

Na arquitetura, as coisas não se resumem, infelizmente, ao “entender” ou não. Uma casa, uma praça, uma cidade, são ao mesmo tempo coisas para ser “vistas”, “entendidas”, e “usadas”.

A autoridade da arquitetura moderna nasce de um paradoxo. No princípio, a ideia era subordinar tudo à funcionalidade, ao uso. Fez-se disso uma valor estético. Funcionalidade tornou-se despojamento e economia de materiais. Tornou-se “bonita” a parede lisa, sem ornamentos; a linha reta e cortante, nascida pura da prancheta. O risco inicial do arquiteto era sinal de sua pureza como artista.

Virou um fetiche de sua autoridade como criador; eis, em resumo, a história da modernidade, vista como liberação, e transformada em autoritarismo.

O desenho de Brasília já era, em seu nascimento, símbolo desta e de outras contradições. Aquela espécie de poema do espaço público democrático, concebida “genialmente” por Lucio Costa nos anos 50, adaptou-se perfeitamente à algidez tecnocrática e à desumanidade do regime militar na década de 70.

Eis que, aos 101 anos, Oscar Niemeyer concebe um adendo à Esplanada dos Ministérios. Quem viu o projeto se espanta: um trambolho gigantesco passará a vedar a perspectiva que se tinha da Esplanada.

É pelo menos saudável que a concepção de Niemeyer encontre, agora, resistências de toda parte. O “autor” de tantas obras belíssimas nem por isso dispõe de “autoridade” sobre a paisagem de Brasília.

Mas é como se um gênio da arquitetura tivesse o direito de romper, como tinha rompido há 50 anos, com o gosto da população.

Eis o arquiteto transformado em demiurgo, coisa que ele julgava ser desde sempre.

Estará sob suspeita de mesquinhez quem o contestar.

Niemeyer pode ser um gênio, mas não pode ter poder sobre uma cidade inteira.

O caso se aplica também a Paulo Mendes da Rocha, que embora tenha ganho o Prêmio Pritzker (espécie de Nobel da arquitetura), não é um gênio, nem tem de ser intocável pelo fato de dar seqüência à tradição purista da arquitetura brasileira.

O que Paulo Mendes da Rocha fez na Praça do Patriarca, em São Paulo, por exemplo, é um erro patente. Inventou uma espécie de plataforma curva coberta de branco, que para nada serve além de vedar a visão de conjunto da praça; trata-se de uma intrusão descomunal num espaço que deveria ser amigável e “urbano”, no sentido amplo do termo.

Mas os arquitetos exaltam suas próprias capacidades construtivas, seu próprio poder de interferência sobre o espaço. Seria preciso muita mobilização para reduzir Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha (já não falo de Lina Bo Bardi, velho desafeto) ao papel que deveriam ter. Não o de totens, dotados de poder de vida ou morte sobre os lugares em que atuam, mas o de pessoas de talento, capazes de colocar esse talento a serviço de uma cidade mais humana, mais amigável, mais bonita, mais urbana.

2 comentários:

  1. Interessante o post Ollag, parabéns. Penso ser um tema muito pertinente.

    A questão da "resposta urbana" é algo que atualmente, talvez mais do que nunca, tem importância fundamental. A contemporaneidade trabalha neste limiar entre o choque e o mimetismo, novo e antigo, etc.. Discussão também batida, mas que perpassará por um bom tempo, a meu ver, o próprio fazer arquitetônico.

    Senti um pouco de deboche nas aspas do gloriosa. Realmente não podemos ser saudosistas a ponto de acreditar ainda agora na dita "brasilidade" de nossa arquitetura. Sendo assim, acho que as aspas são provocativas e justificadas.

    Não acostumados com a crítica, os "gênios nacionais" caminharam livremente, tendo ela como uma grande inimiga. Se não me engano, Alves Pereira já havia comentado isso. Talvez os nossos grandes arquitetos ainda carreguem esta marca, justificando algumas visíveis mostras de poder da fetichização da genialidade.

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  2. obrigado pelos parabéns, e fica aqui minha retribuição ao teu comentário de alto nível.

    Mas eu não diria que as aspas são um deboche, minha intenção na verdade era trazer um pouco de ironia. Tenho todo o respeito pela arquitetura brasileira pelas coisas que fez coisas no passado. Porém, o que me deixa com uma pulga atrás da orelha é esse tipo de ufanismo-saudosista que acontece agora no cenário arquitetônico nacional: na minha opinião, uma hipertrofia da importância desta arquitetura em termos mundiais e conseqüentemente uma espécie de cegueira que permite enxergar somente esta arquitetura como fonte ou modelo para atuais construções.

    Quanto à questão da crítica, acho que tu tens razão, e suponho que isto de alguma forma é fruto de Brasília, que deu aos arquitetos status único e ainda elevou enormemente a escala da arquitetura brasileira. Muitos arquitetos, na minha opinião, tem como reflexo disso uma hipervalorização da arquitetura como um exercício da técnica construtiva, o que muitas vezes deixa em segundo plano soluções mais simples. Crítica também bastante batida, mas, que pelo visto, se mantém ainda pertinente.

    abraço a todos.

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